MICROBIOLOGIA 1 BACTERIOLOGIA - ESCHERICHIA COLI (MURRAY) - EM PORTUGUÊS

Escherichia coli é o mais comum e mais importante membro do gênero Escherichia.  Este microrganismo está associado a uma variedade de doenças, incluindo gastroenterite e infecções extraintestinais como infecções do trato urinário (ITUs), meningites e sepses.  Uma variedade de cepas pode causar doenças, sendo alguns sorotipos associados à virulência (p.  ex., E. coli O157 é a causa mais comum de colite hemorrágica).


Tabela 27-1 Fatores de Virulência Especializados Associados à Escherichia coli
 

Quadro 27-3 Resumo: Escherichia coli
Biologia, Virulência e Doença
Bacilos Gram negativos, anaeróbios facultativos
Fermentadores, oxidase negativos
Lipopolissacarídeo consiste do polissacarídeo externo do antígeno somático O, o polissacarídeo central (antígeno comum) e o lipídio A (endotoxina)
Virulência — consultar o Quadro 27-2; Tab. 30-1
Pelo menos 5 grupos patogênicos diferentes causam gastroenterite (EPEC, ETEC, EHEC, EIEC, EAEC); a maioria causa doenças em países em desenvolvimento, embora EHEC seja uma causa importante de colite hemorrágica (HC) e síndrome urêmica hemolítica (HUS) nos Estados Unidos.
Doenças extraintestinais incluem bacteremia, meningite neonatal, infecções do trato urinário e infecções intra-abdominais

Epidemiologia
Aeróbio mais comum, bacilo Gram negativo no trato gastrointestinal
Maioria das infecções é endógena (flora microbiana do paciente), embora as cepas que causam gastroenterite são geralmente adquiridas exogenamente.

Diagnóstico
Microrganismos crescem rapidamente na maioria dos meios de cultura
Patógenos entéricos, com exceção de EHEC, são detectados somente em laboratórios de referência ou de pesquisa

Tratamento, Prevenção e Controle
Patógenos entéricos são tratados sintomaticamente a menos que ocorra a disseminação da doença
Terapia com antimicrobianos é orientada pelos testes de suscetibilidade in vitro
Práticas adequadas de controle de infecção são usadas para reduzir o risco de infecção nosocomial (p. ex., restrição ao uso de antibióticos e de cateteres urinários desnecessários)
Manutenção dos altos padrões de higiene para reduzir o risco de exposição às cepas
Gastrointestinais
Cozimento adequado dos produtos de carne bovina para reduzir o risco de infecções por EHEC.

Quadro 27-2 Fatores de Virulência Geralmente Associados à Enterobacteriaceae
Endotoxina
Cápsula
Variação de fase antigênica
Sistemas de secreção tipo III
Sequestração de fatores de crescimento
Resistência aos efeitos bactericidas do soro
Resistência aos antimicrobianos

Patogênese e Imunidade
E. coli possui uma variedade de fatores de virulência (Tab. 27-1).  Além de todos os fatores comuns a todos os membros da família Enterobacteriaceae, as cepas de E. coli possuem fatores de virulência específicos, que podem ser organizados em duas categorias principais:  adesinas e exotoxinas. A função desses fatores será discutida em detalhes nas seções seguintes.

Epidemiologia
Um grande número de E.  Coli está presente no trato gastrointestinal.  Embora este microrganismo possa ser oportunista quando os intestinos são perfurados e a bactéria entra no peritônio, a maioria das cepas de E. coli causa doenças gastrointestinais e extraintestinais porque adquiriram fatores de virulência específicos, codificados nos plasmídeos, nas ilhas de patogenicidade ou no DNA de bacteriófagos.  A eficiência de E. coli como um patógeno se deve ao fato da bactéria ser: (1) o bacilo Gram negativo mais comum isolado de pacientes com sepse (Fig. 27-4); (2) responsável por causar mais de 80% de todas as ITUs adquiridas na comunidade, bem como muitas infecções hospitalares; e (3) uma causa relevante de gastroenterite em países em desenvolvimento.  A maioria das infecções (com exceção da meningite neonatal e gastroenterite) é endógena; ou seja, E. coli que faz parte da flora normal do paciente é capaz   de estabelecer a infecção quando as defesas do paciente estão comprometidas.
Figura 27-4 Incidência de Enterobacteriaceae associada à bacteremia.



Doenças Clínicas
Gastroenterite
As cepas de E. coli que causam gastroenterite são subdivididas em cinco grupos principais: enterotoxigênica (ETEC), enteropatogênica (EPEC), enteroagregativa (EAEC), entero-hemorrágica (EHEC) e enteroinvasiva (EIEC) (Tab.  27-2 ).  Os três primeiros grupos causam uma diarreia secretora envolvendo o intestino delgado, enquanto nos dois últimos grupos a infecção envolve o intestino grosso.
Tabela 27-2 Gastroenterite Causada por Escherichia coli

ETEC
A doença causada pela E. coli enterotoxigênica é encontrada principalmente em países em desenvolvimento (estimada em 650 milhões de casos por ano), entretanto, acredita-se que aproximadamente 80 mil casos ocorram anualmente em viajantes dos Estados Unidos. A doença é endêmica em populações nativas americanas.  As infecções são frequentemente observadas em crianças pequenas de países em desenvolvimento ou viajantes que vão para essas áreas.  O inóculo para a doença é alto, assim as infecções são basicamente adquiridas pelo consumo de água e alimentos contaminados com fezes. A transmissão pessoa a pessoa não ocorre. A diarreia secretora causada pela ETEC ocorre após 1 ou 2 dias de incubação e persiste em média por 3 a 5 dias.  Os sintomas (diarreia aquosa e cólica abdominal; náusea e vômito raramente são observados) são similares àqueles observados nos casos de cólera, mas geralmente são mais brandos, particularmente em adultos.  Nenhuma alteração histológica ou inflamação da mucosa intestinal é observada.
As cepas de ETEC produzem duas classes de enterotoxinas: toxinas termolábeis (L T -I, L T - II) e toxinas termoestáveis (ST a e STb).  L T -I é funcional e estruturalmente similar à toxina colérica (Cap.  31)  e está relacionada com doenças em humanos, enquanto L T -II não está relacionada. A toxina consiste de uma subunidade A e 5 subunidades B idênticas. As subunidades B se ligam ao mesmo receptor da toxina colérica (gangliosídeos GM 1), bem como a outras glicoproteínas de superfície das células do epitélio no intestino delgado.
Após endocitose, a subunidade A de L T -I sofre translocação através da membrana do vacúolo.  A subunidade A tem atividade adenosina difosfato (ADP)-ribosiltransferase e interage com uma proteína de membrana (Gs) que regula a adenilciclase.  O efeito net dessa interação é um aumento dos níveis de monofosfato de adenosina cíclico (cAMP), aumento da secreção de cloro e diminuição da absorção de sódio e cloro. Essas alterações ocorrem na diarreia aquosa. A exposição da toxina também estimula a secreção de prostaglandina e produção de citocinas inflamatórias, resultando em perda de fluido. STa, mas não STb, está associada às doenças em humanos. ST a é um peptídeo monomérico pequeno que se liga ao receptor transmembrana guanilato ciclase, resultando no aumento de monofosfato de guanosina cíclica (cGMP) e subsequente hiperssecreção de fluidos.  Os genes para LT-I e STa estão presentes em um plasmídeo transferível, que pode também carrear genes para as adesinas conhecidas como fatores de colonização (CF A/I, CF A/II, CF A/III).  Os fatores de colonização são fimbrias que reconhecem receptores específicos de glicoproteínas no hospedeiro (define a especificidade do hospedeiro).  Tanto a toxina como os fatores de colonização são necessários para o desenvolvimento da doença.  A doença mediada pela toxina termoestável não se distingue daquela mediada pela toxina termolábil.

EPEC
E. coli enteropatogênica foi a primeira E. coli associada à doença diarreica e permanece a principal causa de diarreia infantil em países pobres. A doença é rara em países desenvolvidos, exceto em creches onde ocorrem surtos raros.  Esta doença também é rara em crianças mais velhas e em adultos, provavelmente porque nestes grupos etários os indivíduos j á desenvolveram imunidade protetora.  Em contraste com a doença causada por ETEC, a transmissão pessoa a pessoa ocorre na doença causada por EPEC. Assim, é provável que a dose infectante necessária seja mais baixa.  A doença é caracterizada pela diarreia aquosa que pode ser grave e prolongada. Também podem ocorrer febre e vômito.
A infecção começa com a ligação da bactéria às células do epitélio do intestino delgado, com subsequente destruição das microvilosidades (lesão A/E [“attachment/effacement” – adesão/obliteração ou destruição]).  A agregação inicial da bactéria leva à formação de microcolônias na superfície celular do epitélio mediada pela pili BFP (“Proteína formadora de feixes”) codificada pelo plasmídeo.  As etapas que ocorrem após a ligação da bactéria são reguladas pelos genes codificados pela ilha de patogenicidade LEE (“locus of enterocyte effacement” -  locus de obliteração de enterócitos).  Essa ilha de patogenicidade possui mais de 40 genes responsáveis pela ligação da bactéria e destruição da superfície da célula hospedeira.
Após a aderência frouxa mediada pela pili BFP, ocorre secreção ativa de proteínas bacterianas dentro da célula epitelial hospedeira, por meio do sistema de secreção tipo III.  A proteína Tir (“receptor de translocação da intimina”) é inserida na membrana da célula epitelial e atua como receptor para a adesina de membrana externa, a intimina. A ligação da intimina à proteína Tir resulta na polimerização da actina e no acúmulo dos elementos do citoesqueleto, situados abaixo do sítio de adesão da bactéria.  Ocorre ainda perda da integridade da superfície celular e morte celular.

EAEC
As cepas de E.  Coli enteroagregativa estão envolvidas nos casos de diarreia aquosa persistente com desidratação em crianças de países em desenvolvimento e em viajantes que visitam estes países. Os surtos de gastroenterite causados pela EAEC foram descritos nos Estados Unidos, Europa e Japão.  O microrganismo é provavelmente uma causa relevante de diarreia infantil em países desenvolvidos.  Esta é uma das poucas bactérias associadas com diarreia crônica e crescimento retardado em crianças.
As bactérias são caracterizadas pela autoaglutinação, como em um arranjo de “tijolos empilhados”. Este processo é mediado pela fímbria de aderência agregativa I (AAF/I), adesinas similares à BFP e responsáveis pela formação de microcolônias de EPEC.  Outras fimbrias de aderência agregativa (AAF/II, AAF/III) também foram descritas.  Após aderência de EAEC à superfície do intestino, a secreção de muco é estimulada, levando à formação de um biofilme espesso.  Este processo protege a bactéria agregada dos antibióticos e células fagocíticas.  Além disso, dois grupos de toxinas estão associados com EAEC:  a toxina termoestável enteroagregativa (EAST) e a toxina codificada por plasmídeo (PET).  EAST induz   secreção de fluidos e é antigenicamente relacionada à toxina termoestável de ETEC.  A toxina PET também induz secreção de fluidos.

EHEC (Caso Clínico 27-1)
As cepas de E.  Coli entero-hemorrágica frequentemente causam doenças em países desenvolvidos.  A estimativa é de que essa bactéria cause 73 mil infecções e 60 mortes por ano nos Estados Unidos.  A doença causada por EHEC ocorre com mais frequência nos meses quentes e apresenta alta incidência em crianças com menos de 5 anos de idade.  A maioria das infecções é atribuída ao consumo de carne moída malcozida ou outros produtos derivados da carne, água, leite não pasteurizado, suco de frutas (p.  ex., cidra feita com maçãs contaminadas com fezes de bovinos), vegetais malcozidos, como espinafre e frutas.  A ingestão de menos de 100 bactérias pode causar a doença, e a transmissão cruzada entre as pessoas também ocorre.
Caso Clínico 27-1 Surto Multiestadual de Infecções Causadas por EHEC
Em 2006, a Escherichia coli O157 foi responsável por um grande surto multiestadual de gastroenterite.  O surto foi associado à contaminação do espinafre, com um total de 173 casos descritos em 25 estados, durante um período de 18 dias.  O surto resultou na hospitalização de mais de 50% dos pacientes com doença documentada, uma taxa de 16% de síndrome urêmica hemolítica e uma morte.  Apesar da ampla distribuição do espinafre contaminado, a divulgação do surto e a rápida determinação da fonte responsável pelo surto, prontamente resultou na remoção do espinafre dos estoques dos supermercados e no final do surto.  Isto ilustra como a contaminação de um produto alimentar, mesmo com pequeno número de microrganismos, pode levar a um surto disseminado com um microrganismo particularmente virulento como as cepas de EHEC.
A doença causada por EHEC pode variar de uma diarreia branda sem complicações até uma colite hemorrágica, com dores abdominais e diarreia com sangue.  Inicialmente, a diarreia com dor abdominal se desenvolve em pacientes após 3 a 4 dias de incubação.  Em aproximadamente metade dos pacientes se observa vômito, mas geralmente não ocorre febre alta.  Após um período de 2 dias de latência, em 30% a 65% dos pacientes, a doença progride para uma diarreia sanguinolenta com dores abdominais intensas.  Na maioria dos pacientes não tratados, os sintomas desaparecem completamente entre 4 a 10 dias.  A síndrome urêmica hemolítica (HUS), uma desordem caracterizada pela falha renal aguda, trombocitopenia e anemia hemolítica microangiopática, é uma complicação que ocorre em 5% a 10% das crianças menores de 10 anos infectadas por EHEC. Os sintomas desaparecem entre 4 a 10 dias na maioria dos pacientes não tratados.  Porém, o óbito pode ocorrer em 3% a 5% dos pacientes com HUS e sequelas graves (p.  ex., insuficiência renal, hipertensão, manifestações do sistema nervoso central) podem ocorrer em até 30% dos pacientes com HUS.
A cepa mais conhecida de EHEC é o sorotipo O157: H7. Esta cepa representa um clone que evoluiu de EPEC e que expressa atividade A/E (attaching and effacing – adesão/obliteração ou destruição).  Além disso, essas cepas adquiriram a toxina Shiga (Stx-1, Stx-2 ou ambas).  A Stx-1 é idêntica à toxina Shiga produzida pela Shigella dysenteriae (daí a origem do nome) e a Stx-2 tem 60% de homologia.  Ambas as toxinas são adquiridas pelos bacteriófagos lisogênicos.  Essas toxinas apresentam uma subunidade A e cinco subunidades B que se ligam ao glicolipídeo específico na célula hospedeira (globotriaosilceramida, Gb 3).  Uma elevada concentração de receptores Gb 3 é encontrada nas vilosidades intestinais e nas células endoteliais renais.  Após internalização, a subunidade A é clivada em duas moléculas, produzindo o fragmento A1 que se liga ao ácido ribonucleico ribossomal 28S (rRNA) e causa o bloqueio da síntese de proteínas.  As cepas EHEC que produzem as duas toxinas Shiga e atividade A/E são mais patogênicas que as cepas que produzem apenas uma toxina Shiga.
A HUS foi associada com a produção de Stx-2, que é capaz de destruir as células endoteliais do glomérulo.  Os danos às células endoteliais levam a ativação de plaquetas e deposição de trombina, que por sua vez   resulta na diminuição da filtração glomerular e falha renal aguda.  As toxinas Shiga também estimulam a expressão de citocinas inflamatórias (p.  ex., fator de necrose tumoral [TNF] – γ, interleucina [IL] – 6), que entre outros efeitos aumentam a expressão de Gb 3.

EIEC
As cepas de E.  Coli enteroinvasora são raras nos Estados Unidos e pouco frequentes nos países em desenvolvimento.  As cepas patogênicas são primariamente associadas com poucos sorotipos O:  O124, O143 e O164.  As cepas são relacionadas à Shigella devido às suas propriedades fenotípicas e patogênicas.  As bactérias são capazes de invadir e destruir o epitélio do cólon, produzindo uma doença caracterizada inicialmente pela diarreia aquosa.  Em uma minoria de pacientes, a doença progride para uma forma de disenteria, consistindo de febre, dores abdominais, sangue e leucócitos nos espécimes fecais.
Vários genes plasmidiais (genes pInv) estão envolvidos na invasão da bactéria ao epitélio do cólon.  As bactérias lisam os vacúolos fagocíticos e se multiplicam no citoplasma da célula.  O movimento dentro do citoplasma em direção às células epiteliais adjacentes é regulado pela formação de filamentos de actina (similares àqueles observados em Listeria).  Este processo de destruição de células epiteliais com infiltração inflamatória pode avançar causando ulceração do cólon.

Infecções Extraintestinais
INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO (ITU)
A maioria dos bacilos Gram negativos que produz   ITUs é proveniente do cólon, contamina a uretra, ascende até a bexiga e pode migrar até o rim ou próstata.  A maioria das cepas de E.  Coli pode produzir ITUs, entretanto a doença é mais comum em alguns sorogrupos específicos.  Estas bactérias são particularmente virulentas, pois possuem a capacidade de produzir adesinas (basicamente, a pili P, AAF/I, AAF/III e Dr), que se ligam às células que revestem a bexiga e o trato urinário superior (a aderência impede a eliminação da bactéria durante a micção) e produzem a hemolisina HlyA, que lisa os eritrócitos e outros tipos celulares (levando à liberação de citocina e estimulando uma resposta inflamatória).

MENINGITE NEONATAL
As cepas de E. coli e estreptococos do grupo B causam a maioria das infecções do sistema nervoso central (SNC) em crianças com menos de 1 mês de idade.  Aproximadamente 75% das cepas de E. coli possuem o antígeno capsular K1.  Este sorogrupo também está presente no trato gastrointestinal de mulheres grávidas e crianças recém-nascidas.  Entretanto, o motivo de este sorogrupo ter uma predileção para causar doenças em recém-nascidos não é compreendido.

SEPTICEMIA
Tipicamente, a septicemia causada pelos bacilos Gram negativos, como E.  Coli, tem como origem as infecções do trato urinário e gastrointestinal (p.  ex., a perfuração do intestino leva a uma infecção intra-abdominal).  A mortalidade associada à septicemia causada por E. coli é alta em pacientes cuja imunidade está comprometida ou quando a infecção primária está no abdômen ou no sistema nervoso central (SNC).

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